quinta-feira, 5 de maio de 2011

Entre coxias, berloques e mamulengos

Por Deborah Milhome e Filipe Dias

Espetáculos de bonecos, dramas, comédias e tudo o que o teatro pode oferecer: isso é o que o projeto Palco Giratório proporciona à população brasileira. Criado há 14 anos pelo Serviço Social do Comércio (SESC), o projeto tem como objetivo tirar dos grandes centros as produções nacionais, fortalecendo o mercado fora do eixo Rio-São Paulo, além de incrementar a programação do Sesc nos estados em que a entidade atua.

Em Fortaleza, o projeto acontece durante todo o mês de abril. Todas as sedes dos Sesc recebem peças teatrais, de dança e até oficinas. Felipe Sales, do setor de Cultura do Sesc Fortaleza, destacou como o trabalho vem sendo realizado na capital cearense e sua importância. Confira o vídeo:



Passaram por Fortaleza cerca de 38 espetáculos e quase 20 companhias de teatro, informou o técnico de cultura do Sesc Iracema, Elsion Melo. Mas como todos esses grupos se preparam para viajar com suas peças e estruturas? E como os teatros do Sesc se organizam para atender a todas as companhias?




Para termos noção de como tudo funciona, acompanhamos duas companhias em dois teatros diferentes.



Cia. Polichinelo: um rio de magia

A primeira impressão que se tem quando chegamos no palco do teatro Sesc Emiliano Queiroz, no Centro, é que estávamos numa selva. Palhas, madeiras e efeitos luminosos davam um brilho especial à apresentação, com cada parte do cenário escondendo um truque singelo. Esta é a mágica feita pela Cia. Polichinelo, um grupo de Araraquara, São Paulo, que no dia estaria apresentando a peça “A Lenda das Lágrimas”, espetáculo do qual estava sendo "tirado do armário" para ser apresentado especialmente para o público fortalezense, como o próprio grupo definiu.

A Cia. está participando pela primeira vez do Palco Giratório e percebeu que, para um evento como esse, "precisa ter cuidado com o material e com a escolha dos espetáculos", explica Márcio Pontes, ator e diretor. A atriz Carolina Jorge, que faz parte da Cia., expõe os prós e os contras de participar de um grupo de teatro itinerante. “Nessa maratona de apresentações, de várias peças em muitas cidades, não podemos estar sempre em casa e quase não temos folga. Mas isso é muito gratificante só por estar mostrando o nosso trabalho, conhecer lugares e trocar ideias com o público”, destaca.

Márcio Pontes também falou conosco sobre como produzir essa fábrica de emoções.







A apresentação da peça aconteceu no dia 9 de abril, às 15h, mas o cenário foi montado um dia antes.

Horas antes da peça começar, a preocupação do diretor era aparente. Alguns erros ocorreram durante o ensaio técnico, devido ao tempo que não apresentavam este espetáculo e à falta de manuseabilidade dos bonecos. Márcio explicou que os personagens da apresentação são maiores do que os que eles trabalham com mais frequência.

Enquanto ensaiavam, o técnico da companhia passava alguns instruções aos atores, que sussurravam entre si e, em alguns momentos, não conseguiam controlar o riso. Mas, no fim, a preocupação foi embora. O cenário foi montado para que durante a peça ganhasse vida durante a apresentação, e tudo é arrumado para que os principais itens fiquem à mão dos atores, para que eles não percam tempo procurando.

Faltando um pouco mais de meia hora para começar a apresentação, finalmente o ensaio técnico termina. Foram quase 50 minutos testando os bonecos e dispositivos, repassando as falas, dando os últimos retoques. Depois de reorganizarem tudo, os atores sentam no auditório e ficam conversando. Os funcionários do Sesc oferecem almoço a eles, mas os atores rejeitam logo. Eles acreditam que não é bom entrar em cena com estômago pesado.

Depois de muita risada, conversas sobre a Terra do Sol e as experiências vividas aqui, a hora de se preparar para a apresentação chegou. A troca de roupa é rápida; pouca maquiagem e silêncio. Muito silêncio, que é quebrado quando o técnico da companhia coloca uma cantiga junina, e então os atores começam a cantar juntos durante a música.

Mais um pouco, e pronto. O teatro está cheio de crianças que estudam nos projetos do Sesc. O espetáculo conseguiu prender a atenção até daquelas que, quando entraram, se sentaram embaixo da cadeira e não paravam quietas. Todas viajando, junto com os atores, no mundo de fantasia proporcionado pelo espetáculo.

Depois da peça, os atores sentam no chão do palco e perguntam para a criançada sobre o que foi apresentado. Todas sabiam de tudo, até as palavras ditas em tupi-guarani - a história era sobre uma índia que, por sofrer de amor, se transformou em uma montanha por onde passava um rio feito por suas lágrimas.

As crianças então vão embora, os atores e técnicos correm a desmontar tudo. No dia seguinte, outra cidade esta para vê-los. E o ritual se repete. Mas eles não parecem se cansar. Pelo contrário, o sorriso de satisfação de Márcio Pontes ao ver a peça concluída mostra que eles gostam mesmo do que fazem.



Cia Namakaca: "Simplesmente wonderful!"

Malabarismo, palhaçada e muita música em um cenário totalmente exótico. Assim é a composição da peça “O besouro mutante”, feita pela companhia Namakaca, formada por Cafí Otto, "Montanha" Carvalho e César "Cara" Lopes. Porém o grupo, embora bastante experiente ("Cara", por exemplo, começou a trabalhar com atividades circenses aos dez anos de idade), teve momentos de aflição. O grupo tinha apresentação no dia 19 e no dia 20 de abril, porém a do primeiro dia teve que ser adiada: a estrutura da apresentação não havia chegado.

O segundo espetáculo estava marcado para as 20h do dia 20. Os atores chegaram no teatro Sesc Iracema por volta das 18h, porém as coisas que eles haviam levado por conta própria não eram suficientes para montar a peça. Passados alguns (longos) minutos, eis que o motorista do caminhão chega, enfim, trazendo a estrutura para o espetáculo. Cafí, que ficou responsável por nos receber, contou que esse seria o segundo espetáculo do dia e que eles estavam aproveitando alguns itens da apresentação anterior para compor a peça que iria acontecer dali a algumas horas.

Como todo o material havia chegado, os artistas finalmente puderam preparar a apresentação da peça. A cada malote aberto, uma novidade: garrafas cheias de água, uma boneca, uma escada, varas de pescar, muitas chaves, entre muitas outras iguarias. A curiosidade de saber como que toda aquela parafernália iria ser usada foi grande.

Em meio a toda essa arrumação, Cafí desabafou que a experiência de participar de um Palco Giratório, embora seja um excelente aprendizado, também exige bastante do artista. “Eu tenho um filho de três anos, sinto muita falta. O Montanha tem uma filhinha de 10 meses. O César tem também uma filha de cinco. Nós estamos felizes por estar aqui, mas parte de nós ficou com nossas famílias”, disse, ao complementar que essa também é a primeira vez que está participando do projeto. 




Aos poucos o teatro, que estava em forma de arena, foi ficando pronto. No fundo, havia um tecido verde estendido e amarrado nas varas de pescar, um carrinho com inúmeras coisas estava no meio do palco. Mexe daqui, arruma dali... 

E pronto. Com quase uma hora estava tudo organizado, e o show podia começar -  ou pelo menos era o que pensávamos. Mas de repente César, o Cara, puxa o véu de um lado, enquanto André, o Montanha, puxa a outra parte do véu. As outras coisas estavam sendo guardadas por Cafí no carro. Mais retoques. Depois de um tempo, aí sim estava tudo pronto, e eles podiam passar algumas partes do que seria apresentado dali a uma hora.

A cena ensaiada foi uma das quais os três trabalham o malabarismo com clavas, que compõe uma “dança da conquista”. A peça fala de três pessoas que, como num passe de mágica, viraram besouros, e um deles ficou parecido com um besouro fêmea. A comédia gira em torno desse e de outros dilemas.



Faltava cinco minutos para o início da peça, mas os três não pareciam estar pressionados pelo tempo: só um estava trajado para o espetáculo. Para o trio da  Namakaca, a proximidade do evento não influencia na preparação. Eles não usam maquiagem e nem gostam de fazer concentração, estavam à vontade. Logo, em pouquissimo tempo, estavam pronto e a postos.

As pessoas começaram a chegar e o espetáculo começou. Depois da peça começar e os espectadores verem o cenário ser montado na sua frente. Muito riso durante a apresentação, mas, como se o tempo fosse tão dinâmico e veloz como o grupo, o show acabou. E como toda peça que participa do Palco Giratório promove um pate papo no final, eles trocaram de roupa e voltaram, admirados que alguém tivessem os esperado para conversar.

Para esses três, o espetáculo não acaba nunca. A todo momento, eles agem como palhaços. Não dizemos isso como insulto, e sim como arte, como um elogio ao trabalho que eles fazem tão bem e, com um simples olhar, percebemos que é tudo feito com muito prazer. E o público agradece, aplaudindo de pé.


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