quinta-feira, 26 de maio de 2011

Seis dias embaixo d'água: os bastidores da cheia de 1985

Por Débora Correia e Mara Rebouças



Imagens registradas pelo jornalista Cid Barbosa

A cheia de 1985 deixou cidades do Ceará, como Russas, Itaiçaba, Aracati e Jaguaruana, "embaixo d'água". Era a terceira grande enchente do Vale do Jaguaribe ocorrida entre as décadas de 1960 e 1980. Algumas famílias, como a de Luzia Correia, 60 anos, na localidade de Motambas, distante 12 quilômetros do centro de Jaguaruana, jamais retiradas pela seca, tiveram que deixar as suas casas em 1960, 1974 e 1985 por conta das inundações. A casa do senhor Francisco Honorato, sogro de Luzia, a três quilômetros do centro, torna-se, em 1985, retiro para quantos precisavam. O grande pé de tamarindo, sombra para as conversas do proprietário com os vizinhos, ancorava as canoas transportadoras de retirantes. Este era o cenário da cheia de 1985. 

A 20 quilômetros dalí, cenas não muito diferentes foram presenciadas pelos repórteres Cid Barbosa e Lúcia Damasceno, ao chegarem a cidade de Russas. Durante uma semana do mês de maio, cobriram para o Diário do Nordeste o dia-a-dia de resgate dos interioranos, feitos retirantes.


A equipe se deslocou de carro até Russas


A jornalista Lúcia Damasceno recorda que foi possível chegar de carro até a cidade de Russas e "em diante só podiam passar helicópteros ou barcos". Durante uma semana dormiram no acampamento do exército junto com os retirantes ou em quartos de um posto de gasolina, na BR-116, entrada da cidade.
Para mostrar a situação caótica, chegavam até as áreas atingidas, recorda Cid Barbosa, "através dos helicópteros do exército e da aeronáutica".Isto aconteceu graças "a um bom relacionamento adquirido com as equipes de resgate" completa Lúcia Damasceno.
Histórias comoventes e situações inusitadas foram presenciadas e vividas pela equipe. Eles chegaram ao Vale do Jaguaribe quando a situação dos retirantes já estava muito crítica. Comida e água potável ficaram escassas para as populações ilhadas. Era uma frustação muito grande quando o helicóptero não podia pousar.
Depois de um dia de externa, que começava as 4 horas da manhã e encerrava as 5 da tarde, os fatos precisavam virar informação jornalística. Deveriam ser enviados para o jornal. Não existia internet e a equipe, mesmo separada por quase 200 quilômetros da redação, enviava textos e fotos para a edição do dia seguinte do Diário do Nordeste.



Nas áreas atingidas o deslocamento
foi realizado através de helicóptero


Lúcia Damasceno recorda que, ao visitar as áreas alagadas em uma canoa, o barqueiro identificou um restaurante em Itaiçaba. Só as palhas formadoras do telhado não submergiram. Nesse momento, Cid Barbosa estava de pé e teve que sentar-se para a embarcação não naufragar. Os deslocamentos feitos de barco, diante da intensidade com que o nível das águas aumentavam se tornavam perigosos. O cenário não era novo no Vale do Jaguaribe.
Em 1960, o pai de Luzia, Francisco Moreira, depois de retirar a família em Córrego do Machado, povoado de Jaguaruana, retorna à sua casa, em Motambas, localizada na mesma cidade, para salvar o gado e fazer um sótão, com a ajuda dos vizinhos, onde os móveis foram guardados. Feito isso, para voltar, ele teve de ser cauteloso. O gado foi retirado para Mato Fernandes, outro povoado da cidade.
Muitas populações já se encontravam ilhadas. O nível das águas do Rio Jaguaribe subia e muitas canoas naufragavam na correnteza. A informação vinha do céu. Helicópteros de resgate distribuíam panfletos, confirmando as inundações e aconselhando o retiro para as localidades mais altas. Tudo se repete em 1974. Situação semelhante foi registrada em 1985 por Cid Barbosa e Lúcia Damasceno. Durante uma semana, o Vale do Jaguaribe embaixo dagua foi notíciado em reportagens de página inteira do Diário do Nordeste.
O casario histórico de Aracati ficou completamente embaixo dágua. Cid Barbosa fotografou a torre da Igreja de Itaiçaba, o único ponto não submerso daquela cidade. As histórias registradas comoveram tanto a equipe, que fez doação do próprio bolso para os retirados.


A equipe jornalística se comove e realiza
campanha de doação


Entre a fé e a realidade

Em 1960, o vigário da Paróquia de Santana, localizada em Jaguaruana, monsenhor Aluisio, convoca a todos os agricultores para juntos, em procissão, pedir chuvas ao padroeiro do Ceará. Com uma enxada no ombro e a fé, o sertanejo termina a grande caminhada embaixo d'água, acreditando ter recebido a imediata resposta do santo das chuvas. Era o começo da cheia de 1960. Pela cidade boatos que se confundiam com as histórias verídicas afirmavam o rompimento das comportas do açude Orós. O Vale do Jaguaribe rapidamente seria tomado pelas águas. As informações chegavam pelos panfletos soltados por helicópteros que aconselhava o retiro para os morros. O farmacêutico da cidade, Antônio de Freitas, era informado por telegrama sobre os riscos de inundação. Do balcão de seu estabelecimento aconselhava a população que se retirasse o quanto antes.
Em 1974, o cenário se repete no mês de março. Padre Ducéu, da paróquia de Santana, visita as população de Motambas na companhia do prefeito Manuel Barbosa. Aconselha a todos que se retirem urgentemente. Os habitantes andavam dentro de casa com a água acima dos joelhos e era um risco permanecer ali.


Confira o mapa da Cheia de 1985

Visualizar Cheia de 1985 - cidades atingidas em um mapa maior

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